Primeiro texto: Declaração. Sobre o futuro do cinema sonoro
Declaração. Sobre o futuro do cinema sonoro
[Escrito e publicado em 1928. Fonte: EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 225-227.
O sonho do cinema sonoro se tornou realidade. Com a invenção do cinema sonoro de fato, os norte-americanos se colocaram à frente para torná-lo rápida e substancialmente uma realidade. A Alemanha está trabalhando intensamente na mesma direção. Todo o mundo está falando sobre a coisa muda que aprendeu afalar.
Nós, que trabalhamos na URS, estamos conscientes de que, com nosso potencial técnico, não vamos caminhar em direção à realização prática do cinema sonoro num futuro próximo. Ao mesmo tempo, consideramos oportuno afirmar várias premissas de princípio de natureza teórica, porque, por conta da invenção, parece que este avanço da cinematografia está sendo usado de um modo incorreto. E uma concepção errada com relação às potencialidades deste novo descobrimento técnico pode não apenas impedir o desenvolvimento e aperfeiçoamento do cinema como arte, mas também ameaça destruir todas as suas atuais conquistas formais. Atualmente, o cinema, trabalhando com imagens visuais, tem um efeito poderoso sobre as pessoas e com todo o direito assumiu um dos primeiros lugares entre as artes.
Sabe-se que omeio básico (e único) que levou ocinema a adquirir uma força tão poderosamente emocional é a montagem. Aconfirmação da montagem como o principal instrumento de causar efeito, se tornou um indiscutível axioma sobre o qual a cultura mundial do cinema foi construída.
O sucesso dos filmes soviéticos nas telas de todo o mundo es deve, de modo significativo, aos métodos de montagem que revelaram econsolidaram.
Por isso, para o desenvolvimento futuro do cinema, momentos importantes serão apenas os que fortalecerem e ampliarem os métodos de montagem que afetam o espectador. Examinando cada novo descobrimento deste ponto de vista, é fácil mostrar ainsignificância do filme colorido eestereoscópico em comparação com o amplo significado do SOM.
Gravação de som éuma invenção de dois gumes, eémais provável que seu uso ocorrerá ao longo da linha da menor resistência, isto ,é ao longo da linha da satisfação da simples curiosidade.
Em primeiro lugar, haverá exploração comercial da mercadoria mais vendável, os FILMES FALADOS. Aqueles nos quais a gravação do som ocorrerá num nível naturalista, correspondendo exatamente ao movimento da tela, e proporcionando uma certa "ilusão" de pessoas que falam, de objetos sonoros etc.
Um primeiro período de sensações não prejudica o desenvolvimento de uma nova arte, mas o segundo período é perigoso neste caso, um segundo período que substituirá avirgindade epureza efêmeras desta percepção inicial das novas possibi- lidades técnicas, e reivindicará um estágio de utilização automática por "dramas muito refinados" e outras interpretações fotografadas de um gênero teatral.
Usar o som deste modo destruirá a cultura da montagem, porque cada adesão do som a uma peça de montagem visual aumenta sua inércia como uma peça de montagem, eaumenta aindependência de seu significado —e isto sem dúvida ocorrerá em detrimento da montagem, agindo em primeiro lugar não sobre as peças de montagem, mas em sua JUSTAPOSIÇÃO.
APENAS UM USO POLIFÔNICO do som com relação à peça de montagem visual proporcionará uma nova potencialidade no desenvolvimento e aperfeiçoamento da montagem.
PRIMEIRO TRABALHO EXPERIMENTAL COM O SOM DEVE TER COMO DIREÇÃO A LINHA DE SUA DISTINTA NÃO-SINCRONIZAÇÃO COM AS IMAGENS
VISUAIS. E apenas uma investida deste tipo dará a palpabilidade necessária que mais tarde levará à criação de um CONTRAPONTO ORQUESTRAL das imagens visuais e sonoras.
Este novo descobrimento técnico não é um momento acidental da história do cinema, mas um caminho orgânico liberado de uma série completa de impasses que pareciam insuperáveis para aculta vanguarda cinematográfica.
O PRIMEIRO IMPASSE é a legenda e todas as tentativas inúteis de ligá-la à composição da montagem, como uma peça da montagem (dividindo-a em frases e até palavras, aumentando e diminuindo o tamanho do tipo usado, usando movimento de câmera, animação e assim por diante).
O SEGUNDO IMPASSE são as peças EXPLICATIVAS (por exemplo, alguns primeiros planos intercalados) que prejudicam acomposição da montagem eretardam o ritmo.
As tarefas do tema e história se tornam mais complexas a cada dia; tentativas de resolvê-las pelos métodos da montagem "visual" apenas, ou levam a problemas insolúveis ou obrigam odiretor arecorrer aextravagantes estruturas de montagem, gerando a temível eventualidade de falta de significado e decadência reacionária.
O som, tratado como um novo elemento da montagem (como um fator divorciado da imagem visual), inevitavelmente introduzirá novos meios de enorme poder para a expressão e solução das mais complicadas tarefas que agora nos pressionam ante a impossibilidade de superá-los através de um método cinematográfico imperfeito, que só trabalha com imagens visuais.
O MÉTODO POLIFÔNICO de construir o cinema sonoro não apenas não enfraquecerá o CINEMA INTERNACIONAL, mas fará com que seu significado tenha um poder sem precedentes e alcance a perfeição cultural. Um método como este de construção do cinema sonoro não o confinará a um mercado nacional, como pode acontecer com a filmagem de peças, mas dará uma possibilidade, maior do que nunca, à circulação, através do mundo, de uma ideia filmicamente expressada
S.M. EISENSTEIN
V.I. PUDOVKIN
G.V. ALEXANDROV
Outras fontes:
1- Franz-Josef Albersmeier (Hg.), Texte zur Theorie des Films., Philipp Reclam, Stuttgart 2001, S. 54–55.
http://www.mediaartnet.org/quellentext/90/
Texto traduzido para o português
Trad. em Taylor, Richard e POWER, William. The Eisenstein Reader. Londres: Palgrave, 2019.
Nossos sonhos acalentados de um cinema sonoro estão sendo realizados. Os americanos, tendo desenvolvido a técnica do cinema sonoro, iniciaram o primeiro estágio para sua rápida implementação prática. A Alemanha está trabalhando intensamente na mesma direção. O mundo inteiro agora fala do “mudo” que encontrou sua voz.
Nós, que trabalhamos na URSS, reconhecemos que, dada a nossa capacidade técnica, a implementação prática do cinema sonoro não é viável em um futuro próximo. Ao mesmo tempo, consideramos oportuno fazer uma declaração sobre vários princípios teóricos pré-requisitos, especialmente porque, de acordo com os relatórios que nos chegam, estão sendo feitas tentativas de usar essa nova melhoria no cinema para os fins errados. Além disso, uma compreensão incorreta do potencial da nova invenção técnica pode não apenas impedir o desenvolvimento e o aprimoramento do cinema como forma de arte, mas também pode ameaçar destruir todas as suas conquistas formais até o momento.
O cinema contemporâneo, operando por meio de imagens visuais, tem um efeito poderoso sobre o indivíduo e ocupa, por direito, uma das posições de liderança nas fileiras das artes.
É bem sabido que o principal (e único) método que levou o cinema a uma posição de tão grande influência é a montagem. A confirmação da montagem como o principal meio de influência se tornou o axioma indiscutível sobre o qual a cultura cinematográfica mundial se apóia.
O sucesso dos filmes soviéticos nas telas do mundo todo é, em grande parte, o resultado de vários dos conceitos de montagem que eles revelaram e afirmaram pela primeira vez.
E assim, para o desenvolvimento futuro do cinema, as características significativas parecem ser aquelas que fortalecem e ampliam os métodos de montagem para influenciar o público. Se examinarmos cada nova descoberta sob esse ponto de vista, é fácil distinguir a insignificância da cor e do cinema estereoscópico em comparação com a grande importância do som.
O som é uma invenção de dois gumes e sua aplicação mais provável será ao longo da linha de menor resistência, ou seja, no campo da satisfação de uma simples curiosidade.
Em primeiro lugar, haverá a exploração comercial dos produtos mais vendáveis, ou seja, dos filmes falados - aqueles em que o som é gravado de maneira natural, sincronizando-se exatamente com o movimento na tela e criando uma certa “ilusão” de pessoas falando, objetos fazendo barulho etc.
O primeiro período de sensações não prejudicará o desenvolvimento da nova arte; o perigo vem com o segundo período, acompanhado pela perda da inocência e da pureza do conceito inicial das novas possibilidades textuais do cinema, o que só pode intensificar seu uso sem imaginação para “dramas de alta cultura” e outras apresentações fotografadas de ordem teatral.
O som usado dessa maneira destruirá a cultura da montagem, porque toda mera adição de som aos fragmentos da montagem aumenta sua inércia como tal e seu significado independente; isso é, sem dúvida, prejudicial à montagem, que opera acima de tudo não com fragmentos, mas por meio da justaposição de fragmentos.
Somente o uso contrapontístico do som em relação ao fragmento visual da montagem abrirá novas possibilidades para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da montagem.
Os primeiros experimentos com o som devem ter como objetivo uma forte discórdia com as imagens visuais. Somente uma abordagem do tipo “martelo e pinça” produzirá a sensação necessária que resultará, consequentemente, na criação de um novo contraponto orquestral de imagens visuais e sonoras.
A nova descoberta técnica não é um momento passageiro na história do cinema, mas uma fuga orgânica para a vanguarda cultural do cinema de toda uma série de becos sem saída que pareciam inevitáveis.
Devemos considerar como o primeiro beco sem saída o intertítulo e todas as tentativas vãs de integrá-lo à composição da montagem como uma unidade de montagem (fragmentação de um intertítulo, ampliação ou contração das letras etc.).
O segundo beco sem saída compreende sequências explicativas (por exemplo, planos longos) que complicam a composição da montagem e diminuem o ritmo.
A cada dia, os problemas de tema e enredo se tornam mais complexos; as tentativas de resolvê-los por meio de métodos de montagem puramente “visual” levam a problemas insolúveis ou envolvem o diretor em construções fantásticas de montagem, provocando o medo da abstração e da decadência reacionária.
O som, tratado como um novo elemento de montagem (como uma variável independente combinada com a imagem visual), não pode deixar de fornecer meios novos e extremamente poderosos de expressar e resolver os problemas mais complexos, que têm nos deprimido com sua insuperabilidade usando os métodos imperfeitos de um cinema que opera apenas com imagens visuais.
O método contrapontístico de estruturação de um filme sonoro não só não enfraquece a natureza internacional do cinema, como também confere ao seu significado uma força e uma altura cultural incomparáveis.
Com esse método de construção, o filme sonoro não será aprisionado em mercados nacionais, como aconteceu com a peça teatral e acontecerá com a peça “filmada”, mas oferecerá uma oportunidade ainda maior do que antes de acelerar a ideia contida em um filme por todo o globo, preservando sua viabilidade mundial.






Eisenstein, certamente, defendia a composição da imagem de cinema como um expressão intelectual da dialética, por isso, ele demonstra a preocupação com um cinema falado que se tornaria mercadoria para um mercado de consumo de massa. Deleuze enxerga no cinema da escola Russa e em Eisenstein a capacidade de criar tensões entre o som e a imagem, para além da montagem paralela de ação americana, de David Griffith. A montagem soviética visava criar conceitos, pensamentos, pelo conflito entre diferentes planos. Noutro sentido, o cinema parece precisar do som, da música, de uma associação do som à imagem. Mesmo nos primórdios do cinema havia a exibição da imagem com um piano ao fundo. Se hoje nos parece excessivo o som no cinema, como se precisássemos de um intercessor para explicar a imagem, nas origens do cinema, à imagem se associava a legenda, depois o som, depois a música. É correto pensar, sobretudo, que o som no cinema, desde o cinema clássico, molda a narrativa, gerando na espectatorialidade a experiência sinestésica, a função pática com a arte. O espectador de cinema consome o som como nutrimento das emoções, sensações, sentidos.
ResponderExcluirInteressante como cada linguagem, seja a visual ou sonora, juntas ou não, compõem uma narrativa. Entender a evolução do cinema nos leva a refletir sobre todos esses momentos da variável na linguagem, percebendo as inúmeras possibilidades em compor uma cena. Apesar do receio inicial às mundanças com o uso do som, ainda hoje podemos escolher a melhor forma para comunicar e que mais dialogue com a nossa estética criativa.
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